Carne maturada e desaver-gonhada

Carne desavergonhada. Não lhe resistiamos e assim se criou um restaurante. Carne tão saborosa que se torna insolente, indiscreta, e deixa-nos assim – sem mais nem menos – a expor esta fraqueza de não resistir a um dos 7 pecados capitais. Quase seria falta de etiqueta – se não valesse tanto a pena.

Felizmente acreditamos que somos boa gente e que podemos dar-nos a alguns luxos.

A nossa carne esperou dias por este momento, logo desde o primeiro corte, o talhante já o faz com uma naturalidade e um ritmo que quase parece estar coordenado com o batimento cardíaco. Tunga, tunga, tunga. Sem hesitar, já nos faz adivinhar o tempo do corte seguinte.

Determinado, sem menos, ele sabe exactamente onde acertar, com um rigor que impressiona, mas com uma displicencia de quem já sabe aquilo tudo de cor e nem se deixa encantar com a arte que faz todos os dias. Há assim um pragmatismo na sua atitude que nos faz pensar que às vezes se pensa demais e se faz de menos. Ali é assim: O que é para fazer é para fazer. Menos perguntas e mais tentativas, vamos embora que há muita carne para cortar, e as facas já lhe passeiam pelas mãos como se fossem domesticadas. Como se já houvesse um respeito mútuo tão grande que não permite qualquer golpe, qualquer dor.

Mas enquanto isso, convidamos às gargalhadas e à conversa – que mesmo sem querer já estamos a aquecer os músculos da cara, para dar início a uma digestão sem qualquer tipo de obstáculos. Que não se estrague a primeira garfada com uma língua trincada, tensão facial ou qualquer outro desleixo motor – convém estar preparado para o que aí vem.

E agora resta desejar-lhe um bom apetite, e faça o favor de se sentir em casa…